por Bruce
E. Levine
A “filosofia” de Ayn Rand é quase perfeita em sua
imoralidade, o que faz o tamanho de sua audiência a mais agourenta e
sintomática enquanto entramos em uma curiosa nova fase em nossa sociedade...
Justificar e louvar a ganância e o egoísmo humanos é, na minha mente, não só
imoral, mas, também, mau. — Gore Vidal, 1961
Raras foram as vezes na história dos EUA em que escritores
nos fizeram uma nação mais atenciosa ou menos. Na década de 1850, Harriet
Beecher Stowe (1811 – 1896) foi uma
grande influência para tornar os Estados Unidos uma nação mais humana, nação
esta que aboliria a escravidão dos afro-americanos. Um século depois, Ayn Rand
(1905 – 1982) ajudou a fazer dos EUA uma das nações mais insensíveis do mundo
industrializado, uma sociedade neo-Dickensiana em que a assistência médica só é
disponível àqueles que podem pagá-la, em que jovens são forçados a fazer dívidas
de estudo imensas que não podem ser retiradas ao ser declarada falência.
O impacto de Rand foi difundido e profundo. Na ponta visível
do iceberg está a influência dela em grandes figuras políticas que formataram a
sociedade americana. Nos anos 50, Ayn Rand leu em voz alta os rascunhos do que
se tornaria sua obra “A Revolta de Atlas” para seu “Coletivo”, o apelido
irônico para seu pequeno círculo de jovens individualistas, que incluía Alan
Greenspan, presidente da Reserva Federal de 1987 a 2006.
Em 1966, Ronald Reagan escreveu em uma carta pessoal: “Sou
um admirador de Ayn Rand.” Hoje, Paul Ryan, do Partido Republicano de
Wisconsin, atribui a Rand sua inspiração para entrar para a política, e o
senador Ron Johnson, da mesma agremiação, chama “A Revolta de Atlas” de seu “livro
de princípios”. O republicano do Texas Ron Paul diz que Ayn Rand teve grande
influência sobre si, e seu filho, Rand Paul, senador por Kentucky, é um fã
maior ainda. Uma curta lista de outros fãs da autora inclui o juiz da Suprema
Corte Clarence Thomas; Christopher Cox, presidente
da Comissão de Títulos e Câmbio no segundo mandato de Bush filho; e o
ex-governador da Carolina do Sul, Marx Sanford.
Mas o impacto de Ayn Rand na sociedade americana é ainda
mais profundo.
A sedução de Nathan Blumenthal
Livros de Ayn Rand como “A Virtude do Egoísmo” e sua
filosofia que celebra o interesse próprio e desdenha do altruísmo talvez seja,
como pôs Vidal, “quase perfeita em sua imoralidade.” Mas Vidal está certo em
sua maldade? Charles Manson, que nunca matou ninguém por suas próprias mãos, é
a personificação do mal para muitos de nós por causa de seu sucesso psicológico
em explorar a vulnerabilidade de jovens e seduzi-los ao assassinato. Como
deveríamos chamar o sucesso psicológico de Ayn Rand em explorar a
vulnerabilidade de milhões de jovens e influenciá-los a não ligar para ninguém
se não para si próprios?
Enquanto Greenspan (chamado de “A.G.” por Rand) foi o nome
mais famoso a emergir do Coletivo de Rand, o segundo mais renomado foi
Nathaniel Branden, psicoterapeuta, escritor e advogado da “autoestima”. Antes de
ser Nathaniel Branden, fora Nathan Blumenthal, um garoto de catorze anos de
idade que lia “A Nascente”, de Rand, repetidas e sucessivas vezes. Mais tarde
diria: “Eu me senti hipnotizado.” Ele descrevia como Rand lhe dava uma sensação
que ele poderia ser poderoso, que poderia ser um herói. Ele escreveu uma primeira
carta para seu ídolo, e, então uma segunda. Para sua surpresa, aos vinte anos
de idade, Nathan recebeu um convite para a casa de Rand. Pouco depois, Nathan
Blumenthal anunciou para o mundo que estava incorporando Rand em seu novo nome:
Nathaniel Branden. E, em 1955, com Rand se aproximando de seu quinquagésimo
aniversário e, Branden, de seus vinte e cinco anos, ambos em casamentos
saturados, Ayn dormiu com Nathaniel.
O que se segue parece ter saído de Hollywood, mas, bem, Rand
realmente saiu de Hollywood, tendo trabalhado para Cecil B. DeMille. Rand
reuniu em um encontro seu marido, Frank, Nathaniel, e a esposa deste, Barbara, também
membro do Coletivo. Para a surpresa de Branden, Rand convenceu ambos os esposos
que um caso combinado — ela e Branden tendo uma noite por semana juntos — era “razoável”.
Dentro do Coletivo, era atribuído a Rand nunca ter perdido uma discussão. Nos
encontros no apartamento dela em Nova Iorque, Branden às vezes apertaria a mão
de Frank antes de este deixar o lugar. Mais tarde, foi descoberto que o marido
doce mas passivo de Rand iria do apartamento diretamente para um bar, onde
começou seu caso autodestrutivo com o álcool.
Por volta de 1964, um Nathaniel de 34 anos estava cansado de
Rand, com seus 59. Ainda sexualmente insatisfeito em seu casamento com Barbara
e com medo de encerrar seu caso com Rand, Branden começaria a dormir com uma
modelo de 24 anos, Patrecia Scott. Rand, agora a “rejeitada”, chamou Branden
para aparecer perante o coletivo, cujo apelido já perdera a ironia para Barbara
e Branden. A justiça de Rand foi rápida. Humilhou Branden e rogou-lhe uma
praga: “Se você tem um pingo de moralidade dentro de si, um pingo de saúde
psicológica, será impotente pelos próximos vinte anos! E se você chegar à
potência antes disso, saberá que é um sinal de uma degradação moral ainda pior!“
Completou aquela noite com dois sonorosos tapas no rosto de
Branden. Finalmente, em um ato que líderes totalitários teriam admirado, também
expulsou a pobre Barbara do Coletivo, pondo-a como traidora, declarando que,
preocupada com o caso extraconjugal, teria negligenciado Nathaniel a ponto
deste se envolver em um caso extra-extraconjugal. Se alguém duvida da astúcia
política de Alan Greenspan, aliás, mantenha-se em mente que ele se manteve bem
sob o olhar de Rand apesar de, arranjado por Branden, ter ficado com a gêmea de
Patrecia, chegando a ter encontros a quatro com o casal “extra-extraconjugal”.
Depois de banido por Rand, Nathaniel Branden temeu ser
assassinado por outros membros do Coletivo, mudando-se de Nova Iorque para Los
Angeles, onde os fãs de Rand eram menos fanáticos. Branden estabeleceu uma
prática psicoterápica lucrativa e escreveu aproximadamente vinte livros, metade
destes com “self” (“si próprio”) ou “self-esteem” (“autoestima”)
no título. Rand e Branden nunca se reconciliaram, mas ele continua um
admirador de sua filosofia de interesse próprio. (NT: entre a publicação do artigo original e a tradução para a postagem no blog, Nathaniel faleceu em 3/12/2014)
A vida pessoal de Ayn Rand era consistente com sua filosofia
de não dar a mínima importância para quem não fosse ela mesma. Rand era uma
habitual fumante de dois maços diários, e, questionada sobre os perigos do
cigarro, preferia gesticular desafiadamente e censurar seus jovens
questionadores sobre a “natureza irracional e não científica da evidência
estatística”. Depois que um exame de raios-X revelou um câncer nos pulmões,
Rand parou de fumar e passou por cirurgia. Membros do Coletivo disseram-lhe que
muitos ainda fumavam porque a respeitavam, como respeitavam sua recusa à evidência,
e que, já que não mais fumava, deveria contar-lhes. Disseram-lhe que poderia
deixar de mencionar o câncer, simplesmente dizendo que reconsiderara a
evidência. Rand se recusou.
Como a filosofia de Rand seduziu jovens mentes
Quando eu era uma criança, minhas leituras incluíam
revistinhas de histórias em quadrinhos e dois livros de Rand: “A Nascente” e “A
Revolta de Atlas”. Não havia muita diferença entre as revistinhas e os livros
em termos da simplicidade dos heróis. A diferença era que, ao contrário do
Super-Homem ou do Batman, Rand fazia do egoísmo heroico, e, do sentimento de
cuidado pelos outros, uma fraqueza.
Rand disse: “Capitalismo e altruísmo são incompatíveis;
(...) a escolha é clara: ou uma nova moralidade de auto-interesse racional, com
as suas consequências sendo a liberdade, a justiça, o progresso e a felicidade
do homem sobre a terra – ou a moralidade primeva do altruísmo, com as suas
consequências sendo a escravidão, a força bruta, o terror estagnante e as
fornalhas sacrificiais.” Para muitos jovens, escutar que é “moral” ligar apenas
para si próprio pode ser inebriante, e alguns ficam viciados na ideia para a
vida toda.
Conheci muitas pessoas, profissional e socialmente, cujas
vidas foram mudadas pelos seus próximos que foram enfatuados por Ayn Rand. Uma
temática comum é a seguinte: “Meu ex-marido era um cara legal até que começou a
ler Ayn Rand. Então, tornou-se um imbecil egoísta que destruiu nossa família, e
nossas crianças nem mesmo falam mais com ele.”
Para impressionar seus jovens admiradores, Rand costumava
contar a história de como um vendedor de livros a desafiara a explicar sua
filosofia em pé sobre uma única perna. Ela respondeu: “Metafísica: realidade
objetiva. Epistemologia: razão. Ética: autointeresse. Política: capitalismo.” Como
pode essa filosofia capturar jovens mentes?
“Metafísica: realidade objetiva.” Rand ofereceu um narcótico
para jovens confusos: certeza completa e alívio de sua ansiedade. Rand
acreditava que uma “realidade objetiva” existia, e ela sabia exatamente o que
isso significava. Incluía arranha-céus, indústrias, trilhos e ideias – as suas,
pelo menos. A realidade objetiva de Rand não incluía ansiedade ou tristeza. Nem
muito humor, pelo menos não do tipo que se ri de si próprio. Rand assegurava a
seu Coletivo que sua realidade objetiva não incluía as realidades de Beethoven,
Rembrandt e Shakespeare – eram demasiadamente mórbidas e trágicas, isto é,
basicamente, baldes de água fria. Rand preferia Mickey Spillane, e, no fim de
sua vida, “As Panteras”.
“Epistemologia: razão.” O tipo de razão de Rand era um “atalho”
para controlar o universo. Rand demonizava Platão, e os jovens membros do Coletivo
foram ensinados a odiá-lo. Se Rand realmente acreditava que o método socrático
descrito por Platão para descobrir definições precisas não era qualificável
como “razão”, por que ela o tentava com o Coletivo? Além disso, enquanto zombava
de sentimentos escuros e do desespero, sua “razão” ditava que os membros do
Coletivo deviam admirar Dostoiévski, cujas obras estão cheias destes. Um
demagogo, em adição a sua loquacidade hipnótica, deve ser intelectualmente
inconsistente, às vezes audazmente. Isso elimina obstáculos à autoridade
tolhendo pensamentos claros do rebanho.
“Ética: autointeresse.” Para Rand, todos altruístas eram
manipuladores. O que seria mais sedutor a crianças que questionavam as
motivações de pais esforçados, missionários cristãos e voluntários americanos?
Seus campeões, Nathaniel Branden ainda entre eles, opinam que as visões de Rand
sobre o “autointeresse” foram terrivelmente mal-entendidas. Para eles, o
autointeresse é seu herói, o arquiteto Howard Roark, recusando uma comissão
porque ele não podia agir daquela forma. Alguns dos heróis das histórias de
Rand realmente tinham integridades, mas, para Rand, não há dificuldade para
descobrir a distinção entre a real integridade e a vaidade infantil. A
integridade de Rand era sua vaidade, e consistia em ter tanto dinheiro e poder quanto
o possível, dormindo com quem quer que fosse, a despeito de quem fosse ferir-se
com isso, estando ela sempre certa. Igualar egoísmo, egotismo e vaidade à
integridade livrava os jovens de terem que se esforçar para distinguir,
efetivamente, a integridade do egoísmo, do egotismo e da vaidade.
“Política: capitalismo.” Enquanto Rand frequentemente
denegria o coletivismo totalitário soviético, pouco tinha a falar do
coletivismo totalitário corporativo, e convenientemente negligenciava a
realidade de que corporações gigantes dos EUA, assim como a União Soviética,
não celebram o individualismo, a liberdade e a coragem. Era astuta e hipócrita
o bastante para saber que não se fica rico nos Estados Unidos falando-se de submissão
e conformidade à América corporativa. Pelo contrário, a autora dava palestras
como: “A Minoria Perseguida na América: o Grande Negócio.” Assim, jovens
carreiristas corporativos abraçavam o “capitalismo radical” desenhado por Ayn
Rand e sentir-se radicais – radicais sem riscos.
O legado de Rand
Nos últimos anos, entramos em uma fase onde se tornou
aceitável que grandes figuras políticas abracem Rand apesar de seu desprezo
pelo Cristianismo. Pelo contrário, durante
sua vida, sua filosofia de celebração ao autointeresse era um prazer privado
para o “1%”, mas uma vergonha pública para os mesmos. Eles usavam seus livros
para se afagarem na moralidade de seu egoísmo, enquanto publicamente se afastavam
de Rand por suas visões sobre a religião e Deus. Rand, por exemplo, chegou a
afirmar em rede nacional: “Sou contra Deus. Não aprovo religião alguma. É um
sinal de fraqueza psicológica. Vejo-a como um mal.”
Na realidade, novamente inconsistente, Rand tinha, sim, um
Deus. Era ela mesma. Ela
disse:
“Estou farta do monstro do ‘nós’, a palavra da
servidão, do saque, da miséria, da falsidade e da vergonha. E agora, eu vejo a
face de deus, e levanto este deus sobre a Terra, este deus que o homem procura
desde que veio a ser, o deus que os concede tranquilidade, paz e orgulho. Este
deus, esta uma palavra: ‘eu’.”
Enquanto Harriet Beecher Stowe envergonhou americanos ao
expor a desumanização de afro-americanos e a escravidão, Ayn Rand removeu a
culpa por serem egoístas e não se importarem com quem não fossem eles mesmos.
Não apenas fez Rand “moral” que os ricos não pagassem uma quantia justa de
impostos, ela “livrou” outros milhões de americanos de se importarem com o
sofrimento dos outros, até mesmo com o de suas próprias crianças.
As boas notícias são que vi ex-fãs de Rand entenderem o dano
que a filosofia da autora fez a suas vidas e a exorcizou de sua psique. Poderão
os Estados Unidos fazer o mesmo como uma nação?