terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Como os filmes abraçaram o hinduísmo sem que percebêssemos


por Nirpal Dhaliwal


A bilheteria de “Interestelar” é de 622 milhões de dólares e contando. (NT: números de 25/12/2014) É o oitavo filme mais rentável do ano, e gerou uma imensidão de teorias testando a validade de sua ciência e aplaudindo a inovação em sua filosofia. Mas não há nada de novo. A ideia que propele o enredo – a de uma supraconsciência universal que transcende o tempo e espaço, em que toda a vida humana está conectada – existe há três mil anos. É védica.

Quando o herói do filme, o astronauta interpretado por Matthew McConaughey, declara que o misterioso e onisciente “eles”, que criou um buraco de minhoca perto de Saturno, por onde viaja para salvar a humanidade, dissolvendo seu senso de realidade material no processo, é, de fato “nós”, está simplesmente repetindo a noção central dos Upanixades, os textos filosóficos mais antigos da Índia. Estes argumentam que as mentes humanas individuais são meras reflexões breves dentro de uma cósmica una.

O personagem de McConaughey não é apenas do tipo que fala. Ele faz. O tesserato multidimensional, o prisma infinito em que ele se vê quando se encontra na realidade, em que vê a vida de todas as perspectivas, é a expressão do filme da rede de Indra, a metáfora hindu que retrata o universo como uma rede eterna da existência, fiada pelo rei dos deuses, cada uma de suas interseções adornadas com uma joia de infinitos lados, cada um continuamente refletindo os outros.

Obviamente, a sede de Hollywood de adotar o budismo, a ioga e outros sistemas esotéricos indianos não é nova. David Lynch é um expoente aberto da meditação transcendental, Richard Gere segue o Dalai Lama e Julia Roberts afirmou seu hinduísmo após estrelar “Comer, Rezar, Amar”, filme que conta a história da jornada de uma mulher americana moderna pela paz por meio de práticas espirituais indianas e que rendeu mais de 200 milhões de dólares. O hinduísmo consegue faturar, ainda que urja pela parcimônia.

Christopher Nolan tem sido um antigo devoto da causa. Um diretor famoso por deslanchar projetos multimilionários apenas com seu nome como colateral, sabe claramente do valor de marcas pré-existentes como o hinduísmo. Seu primeiro grande sucesso, “Amnésia”, estrelou Guy Pearce como um homem sem memória cuja consciência duvidosa é a janela embaçada com a qual enxergamos a história de um assassinato, contada tanto na ordem cronológica quanto na reversa. Esta noção de realidade individual enganosa e do olhar superior à mesma pela verdade foi intensificada em outro filme de Nolan, “A Origem”, onde Leonardo DiCaprio lidera um time de “psiconautas” em um golpe que adentra os recessos da mente de um bilionário, uma aventura espiral de sonhos dentro de sonhos em que as leis da natureza continuamente se curvam e deformam-se. Isto até Nolan encontrar sua expressão mais pura em “Interestelar”.

“Olhando para o primeiro filme da série ‘Matrix’”, diz o produtor Peter Rader, “é um filme ióguico. Fala sobre como este mundo é uma ilusão. É sobre maiá, isto é, que conseguimos fazer tudo se cortarmos nossa barreira de ilusões e conectarmo-nos com algo maior. Neo atinge as habilidades dos iogues avançados que Paramahansa Yogananda descreveu, aqueles que desafiam as leis da realidade normal.”

O último filme de Rader, um documentário sobre Yogananda, que foi um dos primeiros gurus a trazerem o misticismo indiano para a América do Norte, na década de 20, tem sido um pequeno sucesso nos Estados Unidos. O filme documenta como a filosofia hindu influenciou a cultura americana, com contribuições como a do magnata do hip-hop e devoto de ioga Russell Simmons. “Há uma grande demanda reprimida.”, pensa Rader. “Há vários espiritualistas reservados que meditam, praticam ioga, leem livros e pensam em uma realidade maior. E agora eles podem sair e falar: ‘Sim, gosto disso.’ Steve Jobs lia o livro de Yogananda uma vez por ano. Ele legou uma cópia do mesmo a todos que atenderam seu memorial. Ajudou a inspirá-lo a desenvolver produtos como o iPad.”

Mas antes de Nolan, antes da Matrix, antes mesmo do iPad, havia Star Wars. Era “o” filme, com sua escala cósmica e o tema de uma força transcendental que conferia poderes sobre-humanos àqueles que se alinhavam com ela, abrindo a cultura de massa americana ao esoterismo indiano mais que a qualquer outra coisa. George Lucas foi influenciado pelo mitólogo Joseph Campbell, cujo livro “O Herói de Mil Faces” traçou o arco narrativo comum a todos os heróis míticos em que Luke Skywalker embarcaria. O próprio Campbell vivia sob o mantra upaxanádico “persiga sua benção” (NT: entre várias outras possibilidades de tradução está "siga seu instinto"), que derivou do Sânscrito “termsat-chit-ananda”.

“A palavra ‘sat’ significa ‘ser’,” dizia Campbell. “’Chit’ significa ‘consciência’. ‘Ananda’, ‘benção’ ou ‘êxtase’. Considerei que não sabia se minha consciência era propriamente uma consciência ou não. Não sabia se o que eu sei do meu ser é propriamente meu ser ou não, mas sei onde está meu êxtase. Então que eu me dedique ao êxtase, e isso há de trazer-me tanto a consciência quanto o ser.” Seu mantra era o paradigma para a realização do próprio Skywalker da força: o senso de paz, motivo e poder adquirido assim que se permitia aceitar e unificar-se com ela. “Se você perseguir sua bênção, põe-se em um tipo de caminho que esteve lá por todo o tempo, esperando por você, e a vida que você deve viver é aquela que você vive.”

Assim que a maestria da força se aproximava de seu pico, Skywalker chegava perigosamente perto de tomar o caminho sinistro de Darth Vader. Assim, Star Wars estabeleceu o princípio hollywoodiano de heróis que devem superar uma escuridão interna enquanto lutam contra um inimigo externo, encontrando a iluminação no processo. A trilogia de Nolan de filmes do Batman, em que um protagonista torturado luta tanto para derrotar sua nêmeses quanto para não se tornar a mesma, introduziu toda uma nova geração aos deuses-mito indianos e aos ensinamentos da ioga que enfatizam a prioridade de uma jornada interna enquanto encaram as dificuldades do mundo exterior. Em 2015, recrutas ainda mais noviços sentirão a “força” no novo filme de J. J. Abrams da série.

“Espiritualidade é o segredo aberto.”, diz Rader. “Muitas pessoas sabem que podemos atingir um poder maior se nos acalmarmos. E os filmes que o procuram, como Star Wars e Interestelar, são imensamente populares. As audiências sabem o que o filme lhes apresenta, e têm um senso de que a história está trabalhando com um nível maior de profundidade. Está dizendo a elas que a vida é muito mais que o ordinário. Dizendo que há algo muito maior, e há.”

Uma filosofia à qual muitos buscam aderir é o que faz religiões de sucesso. O mesmo é válido para filmes.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Como Ayn Rand seduziu gerações de jovens e ajudou a transformar os Estados Unidos em uma nação egoísta e gananciosa


por Bruce E. Levine


A “filosofia” de Ayn Rand é quase perfeita em sua imoralidade, o que faz o tamanho de sua audiência a mais agourenta e sintomática enquanto entramos em uma curiosa nova fase em nossa sociedade... Justificar e louvar a ganância e o egoísmo humanos é, na minha mente, não só imoral, mas, também, mau. — Gore Vidal, 1961

Raras foram as vezes na história dos EUA em que escritores nos fizeram uma nação mais atenciosa ou menos. Na década de 1850, Harriet Beecher Stowe (1811 –  1896) foi uma grande influência para tornar os Estados Unidos uma nação mais humana, nação esta que aboliria a escravidão dos afro-americanos. Um século depois, Ayn Rand (1905 – 1982) ajudou a fazer dos EUA uma das nações mais insensíveis do mundo industrializado, uma sociedade neo-Dickensiana em que a assistência médica só é disponível àqueles que podem pagá-la, em que jovens são forçados a fazer dívidas de estudo imensas que não podem ser retiradas ao ser declarada falência.

O impacto de Rand foi difundido e profundo. Na ponta visível do iceberg está a influência dela em grandes figuras políticas que formataram a sociedade americana. Nos anos 50, Ayn Rand leu em voz alta os rascunhos do que se tornaria sua obra “A Revolta de Atlas” para seu “Coletivo”, o apelido irônico para seu pequeno círculo de jovens individualistas, que incluía Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal de 1987 a 2006.

Em 1966, Ronald Reagan escreveu em uma carta pessoal: “Sou um admirador de Ayn Rand.” Hoje, Paul Ryan, do Partido Republicano de Wisconsin, atribui a Rand sua inspiração para entrar para a política, e o senador Ron Johnson, da mesma agremiação, chama “A Revolta de Atlas” de seu “livro de princípios”. O republicano do Texas Ron Paul diz que Ayn Rand teve grande influência sobre si, e seu filho, Rand Paul, senador por Kentucky, é um fã maior ainda. Uma curta lista de outros fãs da autora inclui o juiz da Suprema Corte Clarence Thomas; Christopher Cox,  presidente da Comissão de Títulos e Câmbio no segundo mandato de Bush filho; e o ex-governador da Carolina do Sul, Marx Sanford.

Mas o impacto de Ayn Rand na sociedade americana é ainda mais profundo.

A sedução de Nathan Blumenthal


Livros de Ayn Rand como “A Virtude do Egoísmo” e sua filosofia que celebra o interesse próprio e desdenha do altruísmo talvez seja, como pôs Vidal, “quase perfeita em sua imoralidade.” Mas Vidal está certo em sua maldade? Charles Manson, que nunca matou ninguém por suas próprias mãos, é a personificação do mal para muitos de nós por causa de seu sucesso psicológico em explorar a vulnerabilidade de jovens e seduzi-los ao assassinato. Como deveríamos chamar o sucesso psicológico de Ayn Rand em explorar a vulnerabilidade de milhões de jovens e influenciá-los a não ligar para ninguém se não para si próprios?

Enquanto Greenspan (chamado de “A.G.” por Rand) foi o nome mais famoso a emergir do Coletivo de Rand, o segundo mais renomado foi Nathaniel Branden, psicoterapeuta, escritor e advogado da “autoestima”. Antes de ser Nathaniel Branden, fora Nathan Blumenthal, um garoto de catorze anos de idade que lia “A Nascente”, de Rand, repetidas e sucessivas vezes. Mais tarde diria: “Eu me senti hipnotizado.” Ele descrevia como Rand lhe dava uma sensação que ele poderia ser poderoso, que poderia ser um herói. Ele escreveu uma primeira carta para seu ídolo, e, então uma segunda. Para sua surpresa, aos vinte anos de idade, Nathan recebeu um convite para a casa de Rand. Pouco depois, Nathan Blumenthal anunciou para o mundo que estava incorporando Rand em seu novo nome: Nathaniel Branden. E, em 1955, com Rand se aproximando de seu quinquagésimo aniversário e, Branden, de seus vinte e cinco anos, ambos em casamentos saturados, Ayn dormiu com Nathaniel.

O que se segue parece ter saído de Hollywood, mas, bem, Rand realmente saiu de Hollywood, tendo trabalhado para Cecil B. DeMille. Rand reuniu em um encontro seu marido, Frank, Nathaniel, e a esposa deste, Barbara, também membro do Coletivo. Para a surpresa de Branden, Rand convenceu ambos os esposos que um caso combinado — ela e Branden tendo uma noite por semana juntos — era “razoável”. Dentro do Coletivo, era atribuído a Rand nunca ter perdido uma discussão. Nos encontros no apartamento dela em Nova Iorque, Branden às vezes apertaria a mão de Frank antes de este deixar o lugar. Mais tarde, foi descoberto que o marido doce mas passivo de Rand iria do apartamento diretamente para um bar, onde começou seu caso autodestrutivo com o álcool.

Por volta de 1964, um Nathaniel de 34 anos estava cansado de Rand, com seus 59. Ainda sexualmente insatisfeito em seu casamento com Barbara e com medo de encerrar seu caso com Rand, Branden começaria a dormir com uma modelo de 24 anos, Patrecia Scott. Rand, agora a “rejeitada”, chamou Branden para aparecer perante o coletivo, cujo apelido já perdera a ironia para Barbara e Branden. A justiça de Rand foi rápida. Humilhou Branden e rogou-lhe uma praga: “Se você tem um pingo de moralidade dentro de si, um pingo de saúde psicológica, será impotente pelos próximos vinte anos! E se você chegar à potência antes disso, saberá que é um sinal de uma degradação moral ainda pior!“

Completou aquela noite com dois sonorosos tapas no rosto de Branden. Finalmente, em um ato que líderes totalitários teriam admirado, também expulsou a pobre Barbara do Coletivo, pondo-a como traidora, declarando que, preocupada com o caso extraconjugal, teria negligenciado Nathaniel a ponto deste se envolver em um caso extra-extraconjugal. Se alguém duvida da astúcia política de Alan Greenspan, aliás, mantenha-se em mente que ele se manteve bem sob o olhar de Rand apesar de, arranjado por Branden, ter ficado com a gêmea de Patrecia, chegando a ter encontros a quatro com o casal “extra-extraconjugal”.

Depois de banido por Rand, Nathaniel Branden temeu ser assassinado por outros membros do Coletivo, mudando-se de Nova Iorque para Los Angeles, onde os fãs de Rand eram menos fanáticos. Branden estabeleceu uma prática psicoterápica lucrativa e escreveu aproximadamente vinte livros, metade destes com “self” (“si próprio”) ou “self-esteem” (“autoestima”) no título. Rand e Branden nunca se reconciliaram, mas ele continua um admirador de sua filosofia de interesse próprio. (NT: entre a publicação do artigo original e a tradução para a postagem no blog, Nathaniel faleceu em 3/12/2014)

A vida pessoal de Ayn Rand era consistente com sua filosofia de não dar a mínima importância para quem não fosse ela mesma. Rand era uma habitual fumante de dois maços diários, e, questionada sobre os perigos do cigarro, preferia gesticular desafiadamente e censurar seus jovens questionadores sobre a “natureza irracional e não científica da evidência estatística”. Depois que um exame de raios-X revelou um câncer nos pulmões, Rand parou de fumar e passou por cirurgia. Membros do Coletivo disseram-lhe que muitos ainda fumavam porque a respeitavam, como respeitavam sua recusa à evidência, e que, já que não mais fumava, deveria contar-lhes. Disseram-lhe que poderia deixar de mencionar o câncer, simplesmente dizendo que reconsiderara a evidência. Rand se recusou.

Como a filosofia de Rand seduziu jovens mentes



Quando eu era uma criança, minhas leituras incluíam revistinhas de histórias em quadrinhos e dois livros de Rand: “A Nascente” e “A Revolta de Atlas”. Não havia muita diferença entre as revistinhas e os livros em termos da simplicidade dos heróis. A diferença era que, ao contrário do Super-Homem ou do Batman, Rand fazia do egoísmo heroico, e, do sentimento de cuidado pelos outros, uma fraqueza.

Rand disse: “Capitalismo e altruísmo são incompatíveis; (...) a escolha é clara: ou uma nova moralidade de auto-interesse racional, com as suas consequências sendo a liberdade, a justiça, o progresso e a felicidade do homem sobre a terra – ou a moralidade primeva do altruísmo, com as suas consequências sendo a escravidão, a força bruta, o terror estagnante e as fornalhas sacrificiais.” Para muitos jovens, escutar que é “moral” ligar apenas para si próprio pode ser inebriante, e alguns ficam viciados na ideia para a vida toda.

Conheci muitas pessoas, profissional e socialmente, cujas vidas foram mudadas pelos seus próximos que foram enfatuados por Ayn Rand. Uma temática comum é a seguinte: “Meu ex-marido era um cara legal até que começou a ler Ayn Rand. Então, tornou-se um imbecil egoísta que destruiu nossa família, e nossas crianças nem mesmo falam mais com ele.”

Para impressionar seus jovens admiradores, Rand costumava contar a história de como um vendedor de livros a desafiara a explicar sua filosofia em pé sobre uma única perna. Ela respondeu: “Metafísica: realidade objetiva. Epistemologia: razão. Ética: autointeresse. Política: capitalismo.” Como pode essa filosofia capturar jovens mentes?

“Metafísica: realidade objetiva.” Rand ofereceu um narcótico para jovens confusos: certeza completa e alívio de sua ansiedade. Rand acreditava que uma “realidade objetiva” existia, e ela sabia exatamente o que isso significava. Incluía arranha-céus, indústrias, trilhos e ideias – as suas, pelo menos. A realidade objetiva de Rand não incluía ansiedade ou tristeza. Nem muito humor, pelo menos não do tipo que se ri de si próprio. Rand assegurava a seu Coletivo que sua realidade objetiva não incluía as realidades de Beethoven, Rembrandt e Shakespeare – eram demasiadamente mórbidas e trágicas, isto é, basicamente, baldes de água fria. Rand preferia Mickey Spillane, e, no fim de sua vida, “As Panteras”.

“Epistemologia: razão.” O tipo de razão de Rand era um “atalho” para controlar o universo. Rand demonizava Platão, e os jovens membros do Coletivo foram ensinados a odiá-lo. Se Rand realmente acreditava que o método socrático descrito por Platão para descobrir definições precisas não era qualificável como “razão”, por que ela o tentava com o Coletivo? Além disso, enquanto zombava de sentimentos escuros e do desespero, sua “razão” ditava que os membros do Coletivo deviam admirar Dostoiévski, cujas obras estão cheias destes. Um demagogo, em adição a sua loquacidade hipnótica, deve ser intelectualmente inconsistente, às vezes audazmente. Isso elimina obstáculos à autoridade tolhendo pensamentos claros do rebanho.

“Ética: autointeresse.” Para Rand, todos altruístas eram manipuladores. O que seria mais sedutor a crianças que questionavam as motivações de pais esforçados, missionários cristãos e voluntários americanos? Seus campeões, Nathaniel Branden ainda entre eles, opinam que as visões de Rand sobre o “autointeresse” foram terrivelmente mal-entendidas. Para eles, o autointeresse é seu herói, o arquiteto Howard Roark, recusando uma comissão porque ele não podia agir daquela forma. Alguns dos heróis das histórias de Rand realmente tinham integridades, mas, para Rand, não há dificuldade para descobrir a distinção entre a real integridade e a vaidade infantil. A integridade de Rand era sua vaidade, e consistia em ter tanto dinheiro e poder quanto o possível, dormindo com quem quer que fosse, a despeito de quem fosse ferir-se com isso, estando ela sempre certa. Igualar egoísmo, egotismo e vaidade à integridade livrava os jovens de terem que se esforçar para distinguir, efetivamente, a integridade do egoísmo, do egotismo e da vaidade.

“Política: capitalismo.” Enquanto Rand frequentemente denegria o coletivismo totalitário soviético, pouco tinha a falar do coletivismo totalitário corporativo, e convenientemente negligenciava a realidade de que corporações gigantes dos EUA, assim como a União Soviética, não celebram o individualismo, a liberdade e a coragem. Era astuta e hipócrita o bastante para saber que não se fica rico nos Estados Unidos falando-se de submissão e conformidade à América corporativa. Pelo contrário, a autora dava palestras como: “A Minoria Perseguida na América: o Grande Negócio.” Assim, jovens carreiristas corporativos abraçavam o “capitalismo radical” desenhado por Ayn Rand e sentir-se radicais – radicais sem riscos.

O legado de Rand


Nos últimos anos, entramos em uma fase onde se tornou aceitável que grandes figuras políticas abracem Rand apesar de seu desprezo pelo Cristianismo. Pelo contrário,  durante sua vida, sua filosofia de celebração ao autointeresse era um prazer privado para o “1%”, mas uma vergonha pública para os mesmos. Eles usavam seus livros para se afagarem na moralidade de seu egoísmo, enquanto publicamente se afastavam de Rand por suas visões sobre a religião e Deus. Rand, por exemplo, chegou a afirmar em rede nacional: “Sou contra Deus. Não aprovo religião alguma. É um sinal de fraqueza psicológica. Vejo-a como um mal.”

Na realidade, novamente inconsistente, Rand tinha, sim, um Deus. Era ela mesma. Ela disse:

“Estou farta do monstro do ‘nós’, a palavra da servidão, do saque, da miséria, da falsidade e da vergonha. E agora, eu vejo a face de deus, e levanto este deus sobre a Terra, este deus que o homem procura desde que veio a ser, o deus que os concede tranquilidade, paz e orgulho. Este deus, esta uma palavra: ‘eu’.”

Enquanto Harriet Beecher Stowe envergonhou americanos ao expor a desumanização de afro-americanos e a escravidão, Ayn Rand removeu a culpa por serem egoístas e não se importarem com quem não fossem eles mesmos. Não apenas fez Rand “moral” que os ricos não pagassem uma quantia justa de impostos, ela “livrou” outros milhões de americanos de se importarem com o sofrimento dos outros, até mesmo com o de suas próprias crianças.

As boas notícias são que vi ex-fãs de Rand entenderem o dano que a filosofia da autora fez a suas vidas e a exorcizou de sua psique. Poderão os Estados Unidos fazer o mesmo como uma nação?