originalmente publicado em Conlangs Monthly
Desde que o homem
começou a explorar e dominar sua própria linguagem tentou ele superar as
línguas naturais com suas próprias invenções. Uma língua inteira, no entanto,
só seria construída na Baixa Idade Média.
A primeira,
construída pela freira Santa Hildegarda em meados do século XII foi a lingua
ignota, uma linguagem mística que, apesar de autoral, foi feita a
posteriori. O idioma de Santa Hildegarda foi feito sobre o latim, com a
reformulação de palavras centrais do vocabulário e uma transcrição em letras
misteriosas. Deste momento até a Renascença, viu-se uma complexificação na arte
da criptografia e o desenvolvimento da primeira língua artificial a priori,
o balaibalan, também com abordagem religiosa. Desde então, novas línguas
construídas apareceriam por motivos místicos, filosóficos ou científicos, uma das
mais notáveis, relativamente com desenvolvimento complexo e uso difuso, sendo o
solresol, uma língua puramente musical feita pelo músico francês François Sudre
em meados do século XIX. A esta altura, muitos autores já discutiam a ideia de
uma língua auxiliar que facilitasse a comunicação entre povos distintos. O
autor italiano Umberto Eco escreveria uma longa dissertação sobre estas
experiências em seu livro de 1993, “La ricerca della lingua perfetta nella
cultura europea” (“A busca pela língua perfeita na cultura europeia”,
sem tradução para o português).
Um marco na história
das línguas construídas (ou “conlangs”), no entanto, viria com o
volapuque, desenvolvido pelo padre alemão Johann Schleyer e publicado pela
primeira vez em 1879. Mesmo que feita por razões religiosas, não diferentemente
dos projetos já mencionados, teve seu sucesso na intenção de ser aprendida por
certo público e ter desenvolvimento funcional. Foi popular em um curto espaço
de tempo, recebendo alguma exposição midiática e passando pela tradução de
livros e pela execução de convenções mundiais. Depois de algumas décadas, no
entanto, um jovem judeu polonês traria a atenção direcionada ao volapuque para
sua invenção: o esperanto.
O esperanto tomou o
lugar do volapuque, aproximando-se mais da utopia de uma língua internacional e
chegando firmemente aos dias de hoje mesmo após passar por uma grande variedade
de cenários históricos e políticos adversos, com algumas estimativas
contemporâneas mencionando milhões de falantes. Algo que a língua nunca
conseguiu, no entanto, foi satisfazer por completo os anseios linguísticos dos
que buscam um idioma auxiliar internacional: o próprio esperanto acabando por
gerar o ido, com outras das incontáveis tentativas incluindo a interlíngua, de
origem neolatina, numerosas línguas artificiais de origem eslávica e as
matemáticas e, a posteriori, autênticas lojban e ithkuil.
A arte de criar línguas seria
levada a um novo plano nas mãos do grande escritor J. R. R. Tolkien, que
revelou ao mundo o extenso universo (ou “conworld”, no sentido de um
mundo artificial) da Terra Média de 1937 à sua própria posteridade. Ainda que a
ficção já tivesse experimentado algumas vezes com a ideia de uma língua própria
da história, Tolkien levou isso a um novo nível quando construiu uma família
inteira de idiomas falados em seu mundo, do Quênia ao Sindarin, da Língua Negra
ao Khuzdul. Línguas artísticas, ou “artlangs”, reemergiriam na forma do atlante
em “Atlantis – O Reino Perdido” e nas incontáveis línguas étnicas das
franquias Star Wars e Star Trek, esta última tendo desenvolvido
profundamente o klingon, língua que se tornou extremamente funcional e popular
em sua base de fãs.
Por fim, é uma tendência
perceptível na década de 2010 que atividades girando em volta das conlangs
têm se tornado cada vez mais difusas. Não somente foi a popularidade destas
reforçada por línguas como o na’vi em Avatar e o dothraki e o valiriano
em Game of Thrones¸ sem falar com a versão cinematográfica da obra de
Tolkien O Hobbit e o lançamento de um novo filme da franquia Star
Trek, também pode ser mencionada a ação da internet, que criou um senso de
comunidade geral. Por meio de fóruns e redes sociais, a construção amadora de
novos idiomas foi popularizada, tornando-se algo discutido, além de que as
construções mais populares chegaram a novos níveis em matéria de senso de
comunidade, reforçadas por softwares e sites que facilitam o aprendizado das
mesmas. As conlangs passaram por um longo caminho antes de virem a ser o
que são agora, e assim são mantidas e constantemente desenvolvidas.