sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Uma breve história das línguas artificiais


originalmente publicado em Conlangs Monthly




Desde que o homem começou a explorar e dominar sua própria linguagem tentou ele superar as línguas naturais com suas próprias invenções. Uma língua inteira, no entanto, só seria construída na Baixa Idade Média.

A primeira, construída pela freira Santa Hildegarda em meados do século XII foi a lingua ignota, uma linguagem mística que, apesar de autoral, foi feita a posteriori. O idioma de Santa Hildegarda foi feito sobre o latim, com a reformulação de palavras centrais do vocabulário e uma transcrição em letras misteriosas. Deste momento até a Renascença, viu-se uma complexificação na arte da criptografia e o desenvolvimento da primeira língua artificial a priori, o balaibalan, também com abordagem religiosa. Desde então, novas línguas construídas apareceriam por motivos místicos, filosóficos ou científicos, uma das mais notáveis, relativamente com desenvolvimento complexo e uso difuso, sendo o solresol, uma língua puramente musical feita pelo músico francês François Sudre em meados do século XIX. A esta altura, muitos autores já discutiam a ideia de uma língua auxiliar que facilitasse a comunicação entre povos distintos. O autor italiano Umberto Eco escreveria uma longa dissertação sobre estas experiências em seu livro de 1993, “La ricerca della lingua perfetta nella cultura europea” (“A busca pela língua perfeita na cultura europeia”, sem tradução para o português).

Um marco na história das línguas construídas (ou “conlangs”), no entanto, viria com o volapuque, desenvolvido pelo padre alemão Johann Schleyer e publicado pela primeira vez em 1879. Mesmo que feita por razões religiosas, não diferentemente dos projetos já mencionados, teve seu sucesso na intenção de ser aprendida por certo público e ter desenvolvimento funcional. Foi popular em um curto espaço de tempo, recebendo alguma exposição midiática e passando pela tradução de livros e pela execução de convenções mundiais. Depois de algumas décadas, no entanto, um jovem judeu polonês traria a atenção direcionada ao volapuque para sua invenção: o esperanto.

O esperanto tomou o lugar do volapuque, aproximando-se mais da utopia de uma língua internacional e chegando firmemente aos dias de hoje mesmo após passar por uma grande variedade de cenários históricos e políticos adversos, com algumas estimativas contemporâneas mencionando milhões de falantes. Algo que a língua nunca conseguiu, no entanto, foi satisfazer por completo os anseios linguísticos dos que buscam um idioma auxiliar internacional: o próprio esperanto acabando por gerar o ido, com outras das incontáveis tentativas incluindo a interlíngua, de origem neolatina, numerosas línguas artificiais de origem eslávica e as matemáticas e, a posteriori, autênticas lojban e ithkuil.

A arte de criar línguas seria levada a um novo plano nas mãos do grande escritor J. R. R. Tolkien, que revelou ao mundo o extenso universo (ou “conworld”, no sentido de um mundo artificial) da Terra Média de 1937 à sua própria posteridade. Ainda que a ficção já tivesse experimentado algumas vezes com a ideia de uma língua própria da história, Tolkien levou isso a um novo nível quando construiu uma família inteira de idiomas falados em seu mundo, do Quênia ao Sindarin, da Língua Negra ao Khuzdul. Línguas artísticas, ou “artlangs”, reemergiriam na forma do atlante em “Atlantis – O Reino Perdido” e nas incontáveis línguas étnicas das franquias Star Wars e Star Trek, esta última tendo desenvolvido profundamente o klingon, língua que se tornou extremamente funcional e popular em sua base de fãs.


Por fim, é uma tendência perceptível na década de 2010 que atividades girando em volta das conlangs têm se tornado cada vez mais difusas. Não somente foi a popularidade destas reforçada por línguas como o na’vi em Avatar e o dothraki e o valiriano em Game of Thrones¸ sem falar com a versão cinematográfica da obra de Tolkien O Hobbit e o lançamento de um novo filme da franquia Star Trek, também pode ser mencionada a ação da internet, que criou um senso de comunidade geral. Por meio de fóruns e redes sociais, a construção amadora de novos idiomas foi popularizada, tornando-se algo discutido, além de que as construções mais populares chegaram a novos níveis em matéria de senso de comunidade, reforçadas por softwares e sites que facilitam o aprendizado das mesmas. As conlangs passaram por um longo caminho antes de virem a ser o que são agora, e assim são mantidas e constantemente desenvolvidas.

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