por Ghada Chehade
Enquanto persiste o conflito na Ucrânia e negociações de paz
entre Putin e líderes ocidentais como Merkel e Hollande continuam, é importante
observar os fatores e os interesses econômicos que se beneficiam da
troca de regime na Ucrânia e como isso se compara a situações como a síria, a
líbica e a iraquiana. Estes são ângulos e interesses relativos a estes
conflitos dos quais pouco escutamos relatados pela mídia de massa ocidental,
ângulos e interesses estes que não buscamos por estarmos envolvidos demais com
dramas políticos ou humanos. A mídia de massa, por exemplo, passou tanto tempo
demonizando um único inimigo, fosse ele Putin na Ucrânia, Assad na Síria,
Gaddafi na Líbia ou Saddam Hussein no Iraque, que não exploraram criticamente como
agentes externos podem explorar ou até apoiar tais conflitos e situações para
assegurarem motivos político-econômicos como o acesso ao petróleo, abrindo
caminho para empréstimos destrutivamente condicionais no FMI ou a derrubada de
políticas domésticas que atacam os interesses mundiais imperiais e econômicos.
Existe na mídia ocidental um binário perigosamente falso em
que a oposição a agendas corporativistas ou imperialistas ocidentais é um
sinônimo do apoio a “homens maus” como, por exemplo, Putin ou Gaddafi. Isso é
parte do que chamo de política de distração ou política de amálgama,
em que a oposição a políticas neoliberais e imperiais – como empréstimos do FMI
com condições de austeridade que devastam e empobrecem uma nação, seu povo e
sua agricultura – é amalgamada com o apoio por certos “tiranos” (como definidos
pelo Ocidente).
No caso de uma mudança de regime e do conflito concomitante
na Ucrânia, a mídia ocidental está tão fixada na demonização do presidente
russo Vladimir Putin com a anexação da Crimeia que pouca atenção é dada ao que
JP Sottile chama de “anexação corporativa da Ucrânia”. Comentando o plano
econômico para o país, Sottile ressalta que “para companhias americanas como
Monsanto, Cargill e Chevron, há uma mina de ouro de lucros a se tirarem do
agronegócio e da exploração energética”.
Alguns legistas europeus veem o conflito ucraniano como uma
cortina de fumaça a fim de abrir caminho para o FMI, o Banco Mundial e o BERD
com seus negócios relacionados à agroquímica e à biotecnologia agrícola,
roubando a cobiçada e valorizada terra agrícola ucraniana. A política de
distração no conflito ucraniano – isto é, o bem versus o mal personificado
em Vladimir Putin – esconde a realidade do vasto roubo terras agrícolas que
alimentará as corporações do agronegócio ocidental enquanto inauguram políticas
venenosas e práticas como a colheita de organismos geneticamente modificados.
Com Yanukovych de fora, o novo governo ucraniano concordou em tomar medidas de
austeridade em troca pela “ajuda” do FMI e do Banco Mundial. Além do impacto
devastador que essas medidas terão sobre os níveis de pobreza e o padrão de
vida dos ucranianos, as medidas de austeridade também permitirão que
corporações do agronegócio ocidental se aproveitem de restrições nas leis de produção
de organismos geneticamente modificados levadas a um padrão mais próximo do
resto da Europa. A Ucrânia, como Lendman explicou, foi, por muito tempo,
considerada o “cesto de pão” da Europa. “Seu solo escuro e rico é altamente
valorizado” e “ideal para o crescimento de grãos”. Com um terço da terra
agrícola europeia, o potencial do país é vasto, fazendo dele um alvo ideal
para os gigantes ocidentais do agronegócio que buscam se aproveitar de riquezas
econômicas massivas alterando e envenenando o fornecimento de comida da região.
Para muitos analistas, estas prospectivas econômicas estão por trás do conflito
ucraniano.
Isto é, de certa forma, remanescente dos motivos econômicos
para a invasão do Iraque em 2003 e a “guerra ao terror”. É sabido que o governo
Bush mentiu sobre Saddam Hussein, antes aliado e parceiro de crime (de guerra),
depois inimigo número um, que teria armas de destruição em massa, um pretexto
para invadir um país. Como explico em meu próximo livro (NT: a autora Ghada
Chehade pretende lançar um livro sobre a Guerra ao Terror ainda pelo fim de
2015), os motivos para a Guerra do Iraque foram majoritariamente
econômicos, com megacorporações norte-americanas ganhando contratos massivos –
pagos com o dinheiro dos contribuintes – para que o país que as Forças
Armadas do país destruíram seja “reconstruído” (em infraestrutura, privatização
de serviços públicos, etc.). Em adição aos contratos de desenvolvimento, lucro
massivo foi gerado por petroleiras como Halliburton e Chevron. A Halliburton,
em si, já foi gerenciada por ninguém mais, ninguém menos que o
ex-vice-presidente Dick Cheney, que alegadamente ganhou 39,5 bilhões na Guerra
do Iraque.
Da mesma forma, é perceptível que o plano para a intervenção
na vida foi (e é) impulsionado por interesses no petróleo, e não por
preocupações humanitárias. Nesta análise compreensiva da situação, Nafeez Ahmed
explica que a violência e a morte de civis de ambos os lados do conflito é
“explorada pela estreita competição geopolítica para controlar o petróleo do
Oriente Médio” e o fornecimento de gás no mesmo. Seu relato conta com várias
fontes oficiais, incluindo documentos que vazaram do governo, oficiais
aposentados da OTAN e o ex-ministro do exterior francês Roland Dumas,
demonstrando como a situação na Síria está ligada a antigos desejos ocidentais
para se assegurar o controle sobre o petróleo e o gás do Oriente Médio, com os
EUA e o RU treinando as forças sírias de oposição desde 2011 para causarem o
colapso do regime sírio “de dentro”.
Enquanto uma usurpação ocidental de petróleo é um fator
maior no Iraque, na Líbia e na Síria (além de proteger o dólar e os bancos
europeus, no caso da Líbia), o caso na Ucrânia é majoritariamente pelo domínio
de terras e pelos planos ocidentais do agronegócio de organismos geneticamente
modificados – introduzidos por um empréstimo condicional do FMI de 17 bilhões
de dólares – para o solo rico e fértil do país. É interessante perceber, como
faz Joyce Nelson, do The Ecologista, que, no fim de 2013, Viktor Yanukovych, então
presidente da Ucrânia, recusou um acordo de associação à União Europeia ligado
a um empréstimo de 17 bilhões de dólares do FMI, optando por um auxílio russo
de 15 bilhões seguido por um desconto no gás natural russo. Como Nelson
explica, “sua decisão foi um fator decisivo nos protestos fatais subsequentes
que o levaram a sair do cargo em fevereiro de 2014 e à crise atual”. Significa
que o empréstimo que corre pelo FMI e suas condições econômicas vorazes estavam
sobre a mesa antes da abdicação do ex-presidente Yakunovych, e que a mudança de
regime no país convenientemente fez com que o empréstimo se fizesse possível.
Em adição à rica terra arável ucraniana sendo aberta para o
agronegócio ocidental e para a produção de organismos geneticamente modificados,
empréstimos do FMI tipicamente vêm com condições econômica estritas de
reestruturação na forma de programas de programas de ajuste estrutural (SAPs).
Estes programas essencialmente forçam a nação credora a reestruturar sua
economia cortando gastos públicos e subsídios em áreas como a empregabilidade,
o apoio à renda e a educação, além da privatização de serviços previamente
acessíveis, como a saúde. Se tais condições do FMI forem aplicadas à Ucrânia,
devastarão e empobrecerão o país.
Questões e agendas político-econômicas tão importantes na
Ucrânia raramente são avaliadas amplamente, se mesmo avaliadas, na mídia de
massa. Enquanto o conflito na Ucrânia continua e a mídia de massa ocidental
foca predominantemente nos dramas políticos e humanos do conflito e no trato de
cessar-fogo Minsk 2, apenas se pode esperar que o povo ucraniano não sofra o
mesmo destino econômico que o povo iraquiano, o sírio e o líbio.